segunda-feira, setembro 29, 2014

Um segredo de Madri - parte 2

Se você ainda não leu a parte 1 desse tema, corre lá pra saber como foi que chegamos às muralhas medievais de Madri acompanhadas de nossos novos amigos espanhóis José e Alicia.
Tá, agora todo mundo sabe que nos encontramos na Ópera, fomos ver as bases da Torre de los Huesos num estacionamento na Plaza Oriente e demos uma paradinha na cripta da Catedral de Almudena, que é mil vezes mais bonita que a própria catedral.
Olha só a porta da cripta, que lindeza:


Pois foi quando saímos por essa porta que tudo (re)começou! É que logo ali abaixo está Parque Emir Mohamed I, onde se pode ver um bom trecho das muralhas árabes construída há doze séculos.
Reparem nas pedras regulares que a compõem.  


Notaram algumas falhas na muralha original, tipo uns vestígios de janelas e revestimentos diferentes? Pois bem, são resquícios do palácio de um nobre que em algum momento existiu por lá e que foi totalmente derrubado há aproximadamente 50 anos.
Mas nem só os nobres construíram palácios junto às muralhas. Espanhóis comuns, viventes nos séculos XX e XXI, também edificaram modernos prédios por lá, sem o mínimo respeito pela história. Um exemplo disso aparece à direita do nosso ponto de vista ali no Parque Emir Mohamed I: um edifício moderno que, para facilitar a entrada de sua garagem subterrânea, derrubou parte da antiga muralha. Pode isso?


Continuamos nossa trilha, subindo em direção à Calle Bailén e caminhando até a Calle de la Morería, rumo ao bairro cristão. 
Nesse trajeto passamos por dois pontos interessantes e muito distintos entre si: a polêmica estátua "La Violetera", que depois de morar por 9 anos na esquina da Calle de Alcalá com a Gran Via, foi recolhida pela prefeitura por motivos políticos, esteve dois anos esquecida em algum depósito municipal e encontrou nova morada ali no Parque de las Vistillas, e a majestosa "Real Basílica de San Francisco El Grande", que conta com a maior cúpula da Espanha e a quarta maior do mundo!
(Prometo um post contando e mostrando tudinho sobre a basilicona...)
Seguimos então para a Calle de los Mancebos, em busca de um trecho da muralha cristã. Ali, ao lado do número 5 dessa rua, está um prédio construído sobre o que resta das pedras irregulares que constituíram um dia aquela parte da muralha.


Depois de uma visita à Igreja de San Andres e uma rápida entrada no Museo de los Orígenes, chegamos à Plaza Puerta de los Moros, onde esteve uma das portas da muralha cristã.
Uns passos a mais e estávamos no burburinho da Calle Cava Baja. Foi ali, que, pra nossa surpresa, José tocou a campainha numa pequena porta, disse algumas palavras no interfone -- "Abre-te, sésamo", talvez -- e a porta se abriu. Entramos para o pátio de um prédio, onde a parede lateral era nada menos que um enorme pedaço da muralha cristã. 19 metros de história, totalmente desprotegidos, dentro de um edifício de moradia!


José nos disse que demos sorte, já que nem sempre a mágica funciona, ou seja, não é toda vez que algum morador desavisado abre a porta de entrada do nº 30 da Cava Baja...
Na mesma rua, no nº 12, está a Posada del León de Oro, que conserva no subsolo de seu restaurante, convertida em adega, outra parte da muralha.


Nosso passeio histórico terminou logo adiante, na Plaza de Puerta Cerrada. Os lugares por onde passamos são apenas alguns dos quais se podem ver restos das muralhas. Há outros, tanto na parte árabe como na cristã. Clique aqui se quiser ver uma lista que José nos enviou com mais algumas indicações de locais onde se podem avistar as velhas pedras de Madri.
E, se você tiver interesse... e paciência, pode ver as 54 telas desse pps que conta toda a história da Madri Medieval.
Percorrer esses lugares notáveis com nossos amigos foi um grande prazer, mas eles ainda tinham uma carta na manga!
Finalizamos o nossas andanças em grande estilo, com um delicioso bacalhau à dorê frito na hora, acompanhado de vermute de grifo, na folclórica Casa Revuelta, um tradicional bar de tapas, onde, com o perdão do trocadilho, é preciso disputar seu bacalhau a tapas.


José e Alicia nos acompanharam até a Plaza Mayor e ali nos despedimos com a promessa de nos reencontrarmos no Brasil, na Espanha ou em qualquer outro lugar do mundo. Afinal, somos todos viciados em viajar!


terça-feira, setembro 23, 2014

Um segredo de Madri - parte 1

Se a arte de viajar deveria nos proporcionar a emoção de encontrar caminhos nunca antes percorridos, dando-nos a sensação de sermos novos Colombos, a avalanche de  literatura de viagem - boa e má - que nos atingiu nos últimos tempos deixou-nos muito pouco por descobrir. 
Constato que todas as rotas já foram desbravadas e que a nós, viajantes do século XXI, cabe apenas confirmá-las, acrescentando uma novidadezinha aqui ou uma pequena descoberta complementar acolá. 
Os viajantes já descobriram o mundo todo!
Mas é certo que isso não nos tira o prazer da viagem, já que, mesmo transitando por caminhos anteriormente trilhados por outros viajantes, a nossa experiência é sempre pessoal e única.
Então... quer lugar mais "batido" que Madri? Eu mesma já perdi a conta das vezes em que estive lá. Os dedos de uma das mãos seriam suficientes para contar quantos de meus amigos viajantes ainda não gozaram dos deleites da capital espanhola: mercados gastronômicos, museus, parques, vinhos, shows, mirantes, edifícios, touradas e tanta coisa mais. 
Uma breve busca no Google ou nos blogs de viagens trará uma gama de informação suficiente para aturdir qualquer calouro.
Pois não é que, apesar disso, nessa última viagem conheci uma "novidade" em Madri!?!?!?!?!?!
Bem, não é assim... uma novidaaaade. A coisa tem mais de mil anos. Mas, vejam só: numa rápida passagem pelo Google encontrei apenas um blog em português que fala sobre o assunto: o Roberto, paulista radicado na Espanha há 8 anos, é o autor do Um brasileiro na Espanha e escreve um post impecável sobre esse segredo madrilenho tão bem guardado: as muralhas árabes e cristãs que cercaram e defenderam a cidade desde o século IX. Eu disse que o negócio era milenar!
Durante nossa viagem pela Jordânia, conhecemos o casal espanhol José e Alicia,. Eles faziam parte do grupo com o qual fizemos os passeios por lá. Sabendo que nosso próximo destino seria Madri, eles nos convidaram para um passeio pela cidade. Queriam nos mostrar algo que não conhecêssemos. Tudo o que eles sugeriram nós já tínhamos visto. Ana lançou então um desafio: "mostrem-nos algum segredo de Madri!"
E não é que a provocação surtiu seu efeito? José e Alicia decidiram nos mostrar as muralhas de Madri, tema sobre o qual tinham muitas informações. E  nos apresentaram tudo, tim tim por tim tim.
Numa manhã de sábado nos encontramos na Plaza de Isabel II, em frente à Ópera. Ali, antes de iniciarmos nosso roteiro, demos uma olhada nessa maquete que está aí do lado. O traçado menor retrata a muralha árabe, construída no século IX, e o maior reproduz a ampliação realizada pelos cristãos três séculos depois, respondendo às necessidades criadas pela expansão da cidade.
Saindo da praça, pelo lado esquerdo de quem olha para o Teatro Real, está a Calle de Vergara, onde, logo adiante, na esquina com a Calle Unión, foi colocada pela prefeitura da cidade uma placa indicando que ali estivera uma das portas da muralha, a Puerta de Valnadú (Puerta que da al Valle), mas José nos contou que o marco está em lugar equivocado: a porta ficava, mesmo, onde hoje está o Teatro Real.


Caminhando em direção à Plaza de Oriente, José e Alicia nos explicaram como identificar a origem das muralhas que veríamos: as árabes são construídas com blocos de pedra bem trabalhados e contam com torres quadradas, enquanto as cristãs apresentam pedras irregulares e têm torres redondas.
Com o crescimento da cidade, essas antigas muralhas ficaram escondidas e o que hoje se vê são apenas alguns segmentos, que aparecem em lugares inusitados, como hotéis, estacionamento, bares e até mesmo construções particulares.
Conversa vai, conversa vem, chegamos à Plaza Oriente e enveredamos para dentro de um estacionamento subterrâneo. Ali, próximo à vaga nº 42, dentro de um painel de vidro, estava o que restou dos fundamentos da Torre de los Huesos, posto de vigilância que ficava no interior do recinto árabe. Seus alicerces foram encontrados quando se construiu o estacionamento e, pela intervenção de algumas entidades culturais, foram preservados. Dá pra imaginar? Você estaciona seu carro e de quebra faz uma visitinha a uma torre do século XI...


Saindo dali, fizemos um pit stop na bela cripta da Catedral de Almudena e, depois de muitas fotos, continuamos nossa peregrinação.
Deixo aqui cenas da cripta e a promessa de um segundo capítulo contando - e mostrando - como foi nosso périplo pela Madri Medieval.